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Théo sorrindo no colo da mãe Larissa (Foto: Arquivo pessoal)

Théo sorrindo no colo da mãe Larissa (Foto: Carol Salgado Imagens)

Para algumas crianças com doenças raras, o tratamento a partir dos primeiros dias pós-parto pode fazer toda a diferença na qualidade de vida e evitar sequelas duradouras. É o caso do pequeno Theo, fio condutor do documentário ‘Uma Gota de Esperança’, que estreia nesta sexta-feira (7) no Globoplay. Filho da repórter Larissa Carvalho, de Belo Horizonte (MG), o menino, de cinco anos, tem uma doença que impede a metabolização de proteínas. O problema poderia ter sido identificado pelo teste do pezinho oferecido em redes particulares, que diagnostica 53 doenças congênitas, enquanto o do Sistema Único de Saúde, feito pela família, rastreia apenas seis.

Em entrevista à Crescer, Larissa, que é roteirista do documentário, explica que, apesar de ter feito o pré-natal com o acompanhamento de vários profissionais, nenhum médico avisou que o teste do pezinho do SUS não era completo. “Na rede particular já existia o teste do pezinho amplificado, que poderia ter identificado a doença dele”, conta a mãe. “Se soubesse que o Théo tinha esse problema, teria dado a quantidade de proteína que ele consegue metabolizar, como ele faz hoje em dia, o que poderia evitar a perda de neurônios. Porém, quando descobri, não havia mais o que fazer. Demoramos muito para encontrar o diagnóstico correto e por isso ele vai ficar em uma cadeira de rodas e sem conseguir falar para sempre”.

Um projeto de lei que aumenta o número de doenças identificadas pelo teste do pezinho foi aprovado pelo Senado no dia 29 de abril e, atualmente, aguarda sanção do Presidente da República. Apesar de estar otimista com o progresso da nova legislação, Larissa faz parte da campanha Pezinho no Futuro, abaixo-assinado para pressionar o poder público por uma mudança urgente. “Nosso objetivo é coletar um milhão de assinaturas para que essa ampliação seja feita quanto antes e a qualidade de vida de muitas crianças seja preservada”, explica.

Em depoimento à Crescer, ela revela detalhes da rotina com Théo e explica como o teste do pezinho ampliado poderia ter mudado a vida de sua família. Veja abaixo:

Théo ficou com sequelas motoras que poderiam ter sido evitadas se a doença tivesse sido identificada logo após o parto (Foto: Arquivo pessoal)

Théo ficou com sequelas motoras que poderiam ter sido evitadas se a doença tivesse sido identificada logo após o parto (Foto: Carol Salgado Imagens)

"Tive uma gravidez totalmente tranquila. Nenhum exame apontava que havia algo diferente com o Théo. No parto também só tivemos alegrias. O Apgar dele foi 9/10. Foi uma cesárea e logo que fizeram os primeiros testes o colocaram no meu colo e disseram 'seu bebê é lindo, está tudo bem com ele'. Todos os sinais perfeitos. Ele foi direto para o quarto comigo, mamou e fomos para casa. Eu era a mãe mais feliz do planeta. Sonhei muito com esse menino, assim como meu mais velho, o João, que hoje tem 15 anos.

Durante os primeiros cinco meses do Théo não havia o menor sinal de que ele tinha algo de diferente. Mas quando começaram a chegar os marcos do desenvolvimento como sustentar a cabeça e rolar percebemos que ele não dava o menor sinal de que faria isso. Ele era mole demais, como um boneco de pano, não firmava. Alimentava-se bem, mas não ganhava peso. Apesar disso, parecia estar conectado em tudo ao redor, acompanhava os objetos com o olhar e reagia a estímulos, mas fisicamente era como se fosse recém-nascido. Até que em uma consulta com a pediatra eu perguntei se ela estava achando o Théo devagar e ela disse que sim e decidiu pedir um exame. Perguntei que tipo de teste seria feito e tinha a esperança que fisioterapeuta poderia resolver. Sempre fui muito otimista nem cogitava uma tragédia. Ela olhou bem para mim e disse 'olha, preciso preparar seu coração, desconfio de um problema neurológico'. Naquele dia, fui direto para o laboratório fazer a ressonância. Precisava descobrir o que ele tinha! No resultado mostrou que ele tinha perdido neurônio em um lugar específico do cérebro que se chama núcleo da base e é responsável principalmente pela coordenação motora e sustentação do corpo.

Para descobrir por que ele havia perdido neurônios comecei uma saga buscando diversos neuropediatras. Médicos renomados me disseram que ele tinha ficado sem oxigênio. Mas nunca aceitei isso porque sabia que não havia tido nenhuma complicação no parto nem na gravidez. Hoje tenho muito ressentimento em relação a esse diagnóstico porque sem saber o que ele tinha continuei fazendo o que estava prejudicando meu filho que era dar alimentos com proteína. Só quando ele tinha um ano e 10 meses consegui uma consulta no Hospital Sarah Kubitschek, especializado no tratamento de doenças locomotoras, em Belo Horizonte e finalmente recebi o diagnóstico correto de acidúria glutárica. É uma doença hereditária rara, que afeta uma a cada 30 mil crianças e impede a metabolização da proteína. Isso fez com que a proteína dos alimentos que eu dava para o Théo na papinha com todo carinho, como ovo, carne e feijão, e até do leite materno, que ele consumiu até os 8 meses, se transformassem em um ácido que intoxicou essa região específica do cérebro dele no núcleo da base. Esse ácido não afeta o resto do corpo nem do cérebro.

Depois do diagnóstico, perguntei para o médico quando a perda de neurônios começou e ele respondeu 'no primeiro gole do seu leite'. Foi muito duro e ainda é.  Se eu tivesse mudado a alimentação nos primeiros seis meses ele teria sequelas muito mais leves. Se a doença tivesse sido identificada pelo teste do pezinho, haveria grandes chances de ele levar uma vida normal.Ele entende tudo do mundo ao redor, conhece os animais, as palavras e pede até para mudar o canal da televisão. O cognitivo está preservado, mas a parte motora é muito afetada.

Felizmente, tive uma rede de apoio muito presente para lidar com tudo isso, como o pai do Théo, com quem divido a rotina de levá-lo para as 12 sessões de terapia que ele tem por semana, amigos fiéis, uma funcionária parceira que está comigo desde a gravidez e meu filho mais velho, de 15 anos, que é muito presente nos cuidados com o irmão. Não sofro por falta de ajuda, mas quem tem filho com deficiência sofre com uma solidão e eu sinto isso também. Há coisas que é só com a mãe, existe uma entrega maior.

O documentário traz o Théo como fio condutor da história. Uma criança que nasceu sem deficiência e se tornou um cadeirante por causa do Sistema Público de Saúde e seu pobre teste do pezinho. Entrevistamos especialistas que disseram que um a cada 2500 bebês no Brasil ficam com sequelas graves que poderiam ter sido evitadas caso o diagnóstico fosse dado no teste do pezinho completo. Conversamos com outras mães que viveram situações parecidas com a nossa e também com famílias que fizeram o teste do pezinho na rede particular e, hoje em dia, tem crianças sem sequelas.

Para os nossos filhos, infelizmente, não adianta mais, mas queremos ampliar o teste do pezinho para os que virão. Isso muda o destino de família inteiras".

Théo e Larissa (Foto: Arquivo pessoal)

Théo e Larissa (Foto: Carol Salgado Imagens)